Artigo 14º da Lei de Nacionalidade Portuguesa – Inconstitucionalidade e Ilegalidade!

…nasceu meu filho…

Só a filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade“.

Esse é o texto que está escrito neste famigerado artigo da lei de nacionalidade portuguesa. O legislador na altura tentou proteger possíveis fraudes, mas hoje não faz mais sentido, por inúmeros motivos, o mais importante é a afronta ao princípio fundamental da igualdade. Só este motivo já deveria mais que suficiente para que fosse revogada pela Assembléia da República.

Já existe um Projeto de Lei neste sentido… para acabar com este artigo 14! Vamos falar dele mais adiante…

Perfilhação da Menoridade

O que é?

A perfilhação nada mais é que o ato pelo qual a pessoa vem formalmente declarar a sua qualidade de pai ou de mãe. Revela, por isso, a demonstração da filiação.

É a confissão da filiação!

Atualmente somente um filho que foi reconhecido na menoridade é que tem direito de solicitar o reconhecimento da nacionalidade portuguesa, isso se chama PERFILHAÇÃO NA MENORIDADE.

A perfilhação é um fato que deve estar demonstrado no registro de nascimento de um filho, mas  obrigar que esta confissão de paternidade de pais não casados seja feita na menoridade, caso contrário perde-se o direito à nacionalidade é injusto, portanto, ilegal do ponto de vista ético jurídico.

Na prática, filhos fora do casamento, ou de pais não casados, que tenham obtido o reconhecimento da paternidade após os 18 anos de idade, são excluídos da lei, e tem o seu direito de filho furtado por este artigo claramente ilegal. Simples assim!

Com este artigo, todos os descendentes deste filho também são excluídos. Todas as gerações de portugueses são impedidos por lei de ter seu direito reconhecido.

Artigo 15º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH).

“Todo indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade”. 

O que é Lei? Qual a função?

Lei, é um princípio, um preceito, uma norma, criada para estabelecer as regras de conduta que devem ser seguidas, é um ordenamento. Em uma sociedade, a função das leis é controlar os comportamentos e ações dos indivíduos de acordo com os princípios daquela sociedade. O principal objetivo da lei é de positivar os direitos fundamentais, nomeadamente, o seu âmbito de proteção.

Devo ressaltar que o artigo 14  foi criado com este objetivo, de proteger, mas hoje percebe-se que ao invés de proteger está ferindo, e muitos indivíduos estão sendo prejudicados por este artigo, filhos, netos, bisnetos, trinetos de portugueses, impedidos de obter o reconhecimento da nacionalidade portuguesa, afinal, filho é maior de idade também é filho, sangue do meu sangue!

O projeto de lei não está pedindo nada que já não esteja previsto no ordenamento jurídico português, apenas requerendo seja revogado o artigo que é ilegal, essa restrição imposta pelo art.º 14.º da Lei da Nacionalidade.

O que o Código Civil português diz sobre o reconhecimento da filiação?

O reconhecimento do filho nascido ou concebido fora do matrimónio efectua-se por perfilhação ou decisão judicial em acção de investigação.

Artigo 1854.º – (Tempo de perfilhação)

A perfilhação pode ser feita a todo o tempo, antes ou depois do nascimento do filho ou depois da morte deste.
Quando se fala em artigos que relacionam, o artigo 14º da lei de nacionalidade se contrapõe aos artigos 1847º e 1854º do CC, pois o Código Civil português não estabelece um prazo para uma ação de investigação de paternidade por exemplo, e ainda ressalta que a perfilhação pode ocorrer mesmo depois da morte desse filho.

Portanto, segundo a lei, a perfilhação é um ato do pai ou mãe, sendo possível a qualquer tempo e mesmo depois do tempo de vida, e isso nos leva a crer que o artigo 14º nada mais é que um artigo político, que com a desculpa de proteção, veio restringir direito de pai e mãe em confessar a paternidade de um filho, legítimo, diga-se de passagem.

Fica a pergunta: Atualmente, quando um filho pode ser reconhecido cidadão português, se o reconhecimento da paternidade ocorreu na maioridade?

Resposta: NUNCA!

Trocando em miúdos, se não houver mudança legislativa neste sentido, se não der fim a este artigo 14º, os filhos de portugueses reconhecidos na maioridade NUNCA terão direito à Nacionalidade Portuguesa.

Sinceramente, este artigo está com os dias contados, nada mais natural que restrições como esta caiam por terra, pois nos dias atuais não são aceitamos mais discriminações deste tipo. Num mundo onde fala em direitos desse e daquele outro, onde estão os direitos desses filhos reconhecidos tardiamente? Como diz o ditado, antes tarde do nunca, e mesmo que esta lei cancele este artigo 14º, a perfilhação obviamente ainda será objeto imprescindível para de demonstrar a sucessão. Ou seja, apenas não terão direito à nacionalidade os filhos não reconhecidos. Os reconhecidos pelos pais, mesmo depois dos 18 anos, também serão reconhecidos pelo estado português.

O princípio da legalidade

No que tange o casamento, vale dizer que não se pode mais falar de filhos “fora do casamento“, casa quem quer, quem não quer não casa, junta, mora cada um na sua casa, e assim segue a vida… vivemos tempos de liberdade, portanto, nunca este preceito constitucional fez tanto sentido: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, assim reza o artigo 5º da CFB, em outras palavras, somente a lei pode criar direitos e deveres.

Somente a lei pode obrigar o cidadão a fazer ou deixar de fazer algo. Um pai ou mãe não está proibido de perfilhar seu filho na maioridade, não é mesmo? É PROIBIDO LEGALMENTE CONFESSAR SER PAI OU MÃE DE ALGUÉM? Pois bem, porque a lei 37/81 proíbe a nacionalidade deste filho perfilhado na maioridade se a própria Constituição da República Portuguesa permite?

Como uma lei infra-constitucional pode ir contra a sua própria Constituição? Vejamos…

Artigo 26.º – Outros direitos pessoais

1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação.

4. A privação da cidadania e as restrições à capacidade civil só podem efetuar-se nos casos e termos previstos na lei, não podendo ter como fundamento motivos políticos.

O princípio da legalidade é uma verdadeira garantia constitucional, procura-se proteger os indivíduos contra os arbítrios cometidos pelo próprio Estado, e certamente o artigo 14º é um destes arbítrios que merece ser revogado.

Artigo 13.º – Princípio da igualdade

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

Artigo 36.º- Família, casamento e filiação

4. Os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objeto de qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à filiação.

Dizer que é filho fora do casamento já é uma forma de discriminação, e segundo deste artigo, as repartições não podem dizer isso.

A conclusão a que se chega é este artigo 14.º da Lei n.º 37/81, de 03 de Outubro, é inconstitucional por violar a Constituição da República Portuguesa, por impedir que o reconhecimento da paternidade na maioridade do filho gere efeitos relativamente à nacionalidade.

Efeitos do reconhecimento da paternidade – retroatividade (Ex-Tunc).

Artigo 1797.º – (Atendibilidade da filiação)

  1. Os poderes e deveres emergentes da filiação ou do parentesco nela fundado só são atendíveis se a filiação se encontrar legalmente estabelecida.
  2. O estabelecimento da filiação tem, todavia, eficácia retroactiva.

A retroatividade dos efeitos da filiação significa que todo o conjunto de consequências jurídicas que são previstas por várias normas e que não se produziram antes produzem-se agora como se a filiação tivesse sido estabelecida desde o nascimento.

Portanto, mesmo que o reconhecimento tenha ocorrido na maioridade, deve-se levar em consideração os efeitos jurídicos e não a data do fato, ou seja, é pai ou mãe desde o nascimento. Se um filho foi reconhecido na maioridade, para todos os efeitos este ato vale como se tivesse sido na menoridade, e mesmo que o artigo 14º tente restringir, ela não alcançaria.

Estamos diante de uma grande ilegalidade, que deve ser corrigida urgentemente, pois está causando sérios e insanáveis prejuízos.

O sentido da retroatividade.

Os poderes e deveres emergentes da filiação só são atendíveis depois do estabelecimento voluntário ou judicial do vínculo (cc, artigo 1797.º, n.º 1); ou seja, depois de ter havido uma indicação ou declaração relevante, ou um reconhecimento voluntário ou judicial, conforme os casos.

Por sua vez, este ato de estabelecimento do vínculo de filiação tem o mérito de “converter” um vínculo biológico prévio num vínculo jurídico correspondente que passa a produzir efeitos jurídicos.

É MUITO SÉRIO ISSO! A filiação não é “constituída”, criada, pelo ato jurídico; apesar do ato jurídico ser indispensável, ele apenas significa uma “declaração”, uma revelação, do vínculo natural e prévio de filho. Uma vez filho, sempre filho, independente da declaração, mas para que gere efeitos jurídicos é necessário esta formalização da confissão. Assina que o filho é teu! Se é meu, ninguém tira!

O vínculo biológico existe desde o nascimento, e, portanto, o estado jurídico de filho é reconhecido pelo Direito com efeitos desde essa altura. O filho não é filho a partir do reconhecimento, e sim desde que nasceu! NASCEU MEU FILHO!

O PROJETO DE LEI 810/XIV/2 – Revogação do artigo 14.º

O Projeto de Lei 810/XIV/2 busca revogar este artigo 14º da Lei nº 37/81, e depois de aprovado, garantirá o direito à nacionalidade portuguesa do filho reconhecido na maioridade.

Essa revogação é fundamental para que milhares de descendentes tenham direito à cidadania portuguesa por atribuição. Segue o link do projeto no site do Parlamento português, clique na imagem:

 

Abaixo estão: O Projeto de Lei 810 e os pareceres da Ordem dos Advogados Portugueses e do Ministério Público.