Transcrição de casamento em Portugal com a certidão de casamento da igreja em 1876… é obrigado registrar esse casamento no cartório, no registro civil? Não, sabe porque?
O Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071, de 1º de Janeiro de 1916), conhecido como Código Beviláqua, estabeleceu que o casamento civil seria exigido apenas após sua entrada em vigor, em 1º de janeiro de 1917, permanecendo em vigência até janeiro de 2002.
O registro civil no Brasil regulamentado em 1874, a princípio não pode ser considerado como um instrumento de separação entre Estado e Igreja, uma vez que suas normas, impedimentos e celebração – dos atos de nascimento, casamento e óbito – continuavam a administrados também pela esfera religiosa.
Durante o período colonial e imperial no Brasil, a regulamentação do casamento envolveu intensos debates entre o governo Imperial e a Igreja Católica. Isso ocorreu devido à relação jurídica estabelecida pelo regime do Padroado, no qual o Estado possuía certas responsabilidades e privilégios na gestão da Igreja, incluindo o direito de indicar arcebispos e bispos.
Neste contexto, os párocos não só desempenhavam funções religiosas, mas também civis, como o registro de nascimentos, casamentos e óbitos. Esses registros eram regulados pelas Ordenações Filipinas, pelo Direito Canônico e pelas normas tridentinas, que foram adaptadas para o contexto brasileiro nas “Constituições Primeiras” de 1707 pelo arcebispo da Bahia.
Vamos entender o Contexto Histórico para melhor fundamentar:
* Normas Tridentinas diz respeito ao Concílio de Trento (1543-1563): que estabeleceu as novas regras da igreja, como a obrigatoriedade dos registros de batismos, casamentos e óbitos pela Igreja Católica, sacramentando o casamento como um vínculo divino.
* E o Registro Civil Brasileiro do período entre 1874 – 1916: Durante esse período, apesar da introdução do registro civil em 1874, não houve uma completa separação entre as esferas estatal e religiosa, com muitos registros ainda sob administração do clero.
Bom, agora é importante falar um pouco sobre as Ordenações Filipinas e o Direito Canônico, para poder embasar melhor a nossa tese.
Você sabe o que são as Ordenações Filipinas? As Ordenações Filipinas está no DNA do Brasil, pois foram um conjunto de leis promulgadas em Portugal em 1603, sob o reinado de Filipe I, após a união ibérica. Este código legal foi crucial, pois consolidou e organizou as leis existentes, influenciando profundamente não só Portugal, mas também suas colônias, incluindo o Brasil.
As Ordenações regulavam desde o direito civil até o penal, e mantiveram-se em vigor no Brasil até o início do século XIX, mais especificamente até a entrada do Código Civil Brasileiro em 1917, o Código Beviláqua, o primeiro código civil do Brasil. Elas formaram a base do sistema jurídico luso-brasileiro por mais de 200 anos, moldando significativamente a administração da justiça e a legislação nas terras portuguesas.
E o Direito Canônico? Sabe? Isso, são as leis da igreja católica… Surgiu nos primeiros séculos do cristianismo, esse sistema jurídico regula a vida eclesiástica, abrangendo desde a administração dos sacramentos e a organização hierárquica da Igreja até a disciplina do clero e dos leigos. Leigos? Os leigos são os membros da igreja que não fazem parte do clero, ou seja, nós, o povo.
Embora seja um sistema legal autônomo, o Direito Canônico também influencia e interage com o direito secular, especialmente em países de tradição católica, afetando aspectos como casamento e educação.
Bom, as Ordenações Filipinas, baseadas no Direito Canônico, permaneceram em vigor no Brasil até 31 de dezembro de 1916, estabelecendo que o casamento válido era aquele realizado sob os auspícios da Igreja Católica. O Código Civil, publicado em 1916, representou um marco na estruturação das relações familiares, tendo o casamento civil como o princípio base para a família.
Agora, tenho que falar sobre a Universalização do Registro Civil Brasileiro: Em 1889, a Lei de Introdução ao Registro Civil dos Nascimentos, Casamentos e Óbitos no Brasil instituiu que todos os nascimentos, casamentos e óbitos deveriam ser registrados civilmente, marcando a transição para um sistema de registro controlado pelo Estado, apesar da implementação não uniforme em todo o território brasileiro.
Após a proclamação da República no Brasil em 1889, o governo provisório adotou medidas para promover a laicização da sociedade. Uma das primeiras ações foi abolir o Padroado com o decreto n. 119-A de 1890, separando formalmente a Igreja do Estado. Essa mudança refletiu-se diretamente no casamento civil, que foi estabelecido pelo decreto n. 181 do mesmo ano, enfatizando sua natureza exclusivamente civil e regulamentando também o divórcio.
A introdução do casamento civil trouxe novas formalidades e impedimentos, alterando as dinâmicas familiares e sociais. Além disso, o decreto n. 521 proibiu o casamento religioso antes do civil, reforçando a separação entre as instituições religiosas e o Estado. A criação de juízes exclusivos para casamentos visava garantir a aplicação uniforme dessa nova lei.
A secularização enfrentou resistências, com debates intensos sobre a legitimidade e os efeitos do casamento civil versus religioso. Ainda havia uma forte preferência pelo casamento religioso, considerado mais legítimo por muitos, especialmente católicos. A Igreja, por sua vez, via o casamento civil como uma ameaça à sua autoridade, promovendo uma doutrinação para reafirmar que o matrimônio é um sacramento regido exclusivamente pela lei divina.
Essas tensões revelaram desafios na implementação do casamento civil, com muitos brasileiros ainda relutantes em adotá-lo, preferindo as cerimônias religiosas. A discussão sobre essas novas regulamentações foi crucial na formulação do Código Civil, que buscava modernizar e organizar as normas jurídicas do Brasil republicano, mas enfrentou obstáculos, inclusive oposições à inclusão de temas como divórcio e legitimidade dos filhos. A elaboração e implementação do Código Civil, liderada por Clóvis Beviláqua, foi um passo essencial na modernização jurídica do país.
Esse caso foi real e foi solicitado a Douta Conservatória que considerasse as certidões de casamentos religiosos realizados antes de 1º de janeiro de 1917 como válidas civilmente para fins de Transcrição de Casamento. Esta solicitação é fundamentada pelo fato de tais casamentos terem sido celebrados conforme as normas legais e religiosas vigentes à época, anteriores à obrigatoriedade do casamento civil estabelecida pelo Código Civil de 1916.
Mas qual a Justificativa? O reconhecimento desses casamentos como válidos sem a necessidade de adaptação às normas civis pós-1917 é crucial para honrar os direitos adquiridos sob a legislação anterior, promovendo justiça e respeito aos atos jurídicos perfeitos realizados em conformidade com as leis da época.
Bom, essa foi uma aula sobre Casamento religioso durante o período entre 1874 e 1916, e que foi um caso que a transcrição do casamento era essencial no processo de nacionalidade de um cliente, pois sem a transcrição ele não teria direito a nacionalidade portuguesa, e caiu em exigência como se diz, porque o cliente tentou fazer sozinho e juntou apenas a certidão de casamento religiosa, e a exigência era clara, registrar esse casamento no cartório de registro civil para só depois concluir a transcrição de casamento. Ele nos procurou, e conseguimos resolver sem a necessidade de registrar esse casamento. A Conservadora julgou favorável e transcreveu o casamento!
Você percebe que processo de nacionalidade não é só juntar documentos do ROL? Vai muito mais além, e quando chega a notificação, e não se engane, pode chegar, você deverá ter suporte jurídico para buscar uma solução real para o seu caso.
Dr. Rodrigo M. Lopes
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